Cada época tem sua perspectiva e forma de enxergar o mundo. Ninguém olha para a realidade de uma forma neutra, todos nós carregamos os óculos de cosmovisões que irão moldar a forma como damos sentido ao mundo em geral e à vida em particular. Hoje estamos vivendo aquilo que os filósofos caracterizam de pós-modernidade.
Ó tempos! Ó costumes!
Atribui-se a Cícero essa expressão cuja tradução é “Que tempos os nossos! E que costumes!” Com isso, Cícero estava lamentando a decadência do seu mundo contemporâneo. Não há dúvidas de que essa expressão se aplica ao nosso mundo atual: decadência moral, destruição da família tradicional, ataques a toda e quaisquer espécie de autoridade, conservadorismo ou verdade.
Se um aluno cristão, num ambiente universitário, alega que apenas o Cristianismo é verdadeiro, ele logo é tachado de fundamentalista e retrógrado. Os professores e alunos dirão que o cristianismo é uma religião como qualquer outra no mundo. Não há religião verdadeira, tudo é uma questão de gosto ou de se sentir bem. De fato, as universidades estão sendo os holofotes onde o pós-modernismo é proclamado. Isso é perigoso, de lá sairão os homens e mulheres que irão influenciar nossa sociedade: advogados, filósofos, médicos, jornalistas, etc.
Tudo isso reflete o espírito do nosso tempo: o pós-modernismo. Segundo Stanley J. Grenz:
O pós-modernismo está cada vez mais presente na sociedade como um todo. Podemos detectar um deslocamento do moderno para o pós-moderno na cultura ‘pop’ que vai dos vídeos musicais desconexos à nova série de Jornada nas Estrelas chegando até aos aspectos cotidianos da vida contemporânea, como, por exemplo, a nova procura por espiritualidade no mercado e a justaposição dos diferentes estilos de roupas que muitas pessoas usam. (GRENZ, J. Stanley. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo, p. 26)
Definição de pós-modernismo:
Segundo o filósofo J.P. Moreland, em seu livro O triângulo do reino, o pós-modernismo é caracterizado como um tripé:
É tanto uma noção histórica, cronológica, quanto uma ideologia filosófica. (Moreland. J.P. O triângulo do reino. p. 103.)
No aspecto histórico, o pós-modernismo é um período posterior e contrário à modernidade. Por modernidade, refiro-me ao período que tem sua gênese a partir do renascimento (séculos XVI a XVII) e que teve seu apogeu no iluminismo (séculos XVII a XIX). Os filósofos René Descartes e Immanuel Kant são figuras conhecidas desse período.
Nessa época, os filósofos idolatravam a razão. Eles davam grande ênfase na racionalidade e no método científico; pois acreditavam que ao enfatizarem essas coisas o mundo iria melhorar progressivamente. A visão que os modernistas tinham era de triunfalismo e de otimismo. O pós-modernismo é contra essas coisas, sua visão de mundo é pessimista e cética contra qualquer ideia de progresso.
Se os modernistas apregoavam a conquista da natureza através da ciência, conforme proposto por Francis Bacon, os pós-modernistas querem cooperar com a natureza, pois acreditam que a natureza está ficando cada vez mais um lugar inseguro de se habitar. Sendo assim, o pós-modernismo é uma reação ao modernismo.
Outro ponto que marcava os modernistas era sua tese de que existia a objetividade e o conhecimento. Os modernistas, em geral, acreditavam que o homem podia se despir de suas subjetividades e alcançar a objetividade na aquisição do conhecimento. Outro fator importante para entender a modernidade era que eles acreditavam que o conhecimento era acessível à mente humana.
Por isso, a tentativa do filósofo René Descartes em tentar achar um conhecimento que fosse absoluto. Os filósofos modernistas discordavam acerca de como o conhecimento era alcançado, se através dos sentidos (empiristas) ou através da razão (racionalistas). Mas eles compartilhavam o conceito de que era possível ter acesso ao conhecimento. Os pós-modernistas rejeitam a tese de que é possível alcançar a verdade e o conhecimento objetivo. Em seu aspecto cronológico, o pós modernismo é uma era que veio logo após a modernidade e a substituiu (Moreland, p. 104).
Mas além do sentido histórico e cronológico, o pós-modernismo é, decerto, uma ideologia filosófica que nega valores absolutos e fixos, como razão, objetividade, verdade, moral, essências, etc. Ou seja, ele é uma visão filosófica que tem como base uma visão relativista de todas as coisas. Segundo Grenz:
Os pós-modernos creem que não somente nossas crenças específicas, mas também nossa compreensão da própria verdade, encontram-se enraizadas na comunidade da qual participamos. (Grenz, p. 29)
Tudo é uma mera construção social. A linguagem é o que determina o que é certo ou errado. Não existe uma realidade além da linguagem. A linguagem não aponta para algo externo a ela. Estamos presos num emaranhado linguístico. Tudo é uma construção social feita por um grupo de indivíduos que compartilham uma narrativa.
Narrativa é uma visão de mundo, como o marxismo, nazismo, judaísmo ou cristianismo. Nas palavras do Moreland:
Uma narrativa é a história da comunidade que revela quais perspectivas ela adota. Essas narrativas estão arraigadas no contexto social dos indivíduos que nascem nesses grupos. Parodiando o sofista Protágoras, o pós-modernista diz: ‘A comunidade é a medida de todas as coisas’.
Ora, uma vez que são muitos os grupos de indivíduos, cada grupo determina sua verdade. Não há uma verdade universal que perpassa essas comunidades, como queriam os modernistas. Por isso, a desconfiança dos pós-modernistas a toda e qualquer metanarrativa. Metanarrativas são afirmações universais e totalizantes. Um exemplo de uma metanarrativa é a Bíblia ou os credos eclesiásticos. Elas fazem afirmações atemporais que transcendem o espaço e o tempo.
Por exemplo, os cristãos afirmam que o que a Bíblia diz é verdade para todos os tempos. O credo niceno-constantinopolitano alega que Jesus é Deus encarnado. Essas declarações, para os cristãos, são verdadeiras em todos os tempos e lugares. O próprio conceito de que a Igreja é católica (universal) é uma afronta para os pós-modernos, pois, para eles, não há verdades universais. Filósofos pós-modernos que são idolatrados nas universidades são: Friedrich Nietzsche, Ludwig Wittgenstein, Michel Foucault e Jacques Derrida.
A influência da teoria literária desconstrucionista
O ataque à modernidade e, consequentemente, ao iluminismo, veio de uma teoria literária, a saber, o desconstrucionismo. Segundo os desconstrucionistas, o significado de um texto não é inerente ao texto em si, mas está na cabeça do intérprete. O texto é um container semântico. Cabe ao leitor interpretar da forma como ele bem entender. O leitor não vai ao texto para descobrir um sentido que está lá, porque não há nenhum significado escondido lá, cabe ao leitor ir ao texto e construir o significado. Os pós-modernistas se aproveitaram disso e o expandiram para toda realidade. Conforme nos diz Grens:
Os filósofos pós-modernos aplicaram as teorias do desconstrucionismo literário ao mundo todo. Assim como um texto terá uma leitura diferente conforme o leitor, dizem eles, da mesma maneira a realidade será ‘lida’ diferentemente por todo ser dotado de conhecimento que com ela se depare, isso significa que o mundo não tem apenas um significado, ele não tem nenhum centro transcendente para a realidade como um todo. (Grenz, p. 18)
Derrida sugeriu que nos desapeguemos da ontoteologia (descrições verdadeiras da realidade), assim como da metafísica da presença (a tese de que existe algo transcendente no mundo). O importante é o sujeito que interpreta a realidade. Para outro teórico pós-modernista, Michel Foucault, qualquer tentativa de se interpretar a realidade objetivamente é um desejo de imposição de poder.
Pós-modernismo, ambientalismo e o marxismo
Existe uma relação estreita entre o ambientalismo e o marxismo com o pós-modernismo. Os pós-modernistas criticam o sujeito controlador da natureza que era pregado na modernidade. Como disse Gene Edward Veith, os pós-modernistas rebaixam o indivíduo em detrimento da natureza. Não é por acaso o forte apelo dos ambientalistas no nosso mundo. Os ambientalistas colocam a natureza acima do homem. O homem é tratado como se fosse um parasita neste planeta. Por isso a luta das políticas públicas para controlar o crescimento da população mundial. Esforços e propagandas são feitas para que os casais não tenham muitos filhos para não esgotar os recursos da natureza.
Alguns ambientalistas são tão radicais que chegam ao ponto de idolatrar a natureza. Como disse Gene Edward Veith:
O ativista Pentti Linkola, do Partido Verde da Finlândia, argumenta que as pessoas são um erro evolucionário, um câncer da terra. Linkola chega ao ponto extremo de dizer que ele tem mais pena das espécies ameaçadas de insetos do que das crianças que estão morrendo de fome na África. (VEITH, Edwaurd Gene. Tempos pós-modernos, p. 68)
Na esteira do ambientalismo surge o Movimento dos direitos dos animais. Muitos adeptos desse movimento não veem diferença entre a espécie humana e os demais animais. Se alguém alega que os humanos são superiores aos animais, dizem eles, estará cometendo o erro de especismo, um tipo de racismo entre as espécies. Mas isso não é de se espantar. É apenas um corolário das premissas pós-modernistas. Como bem disse Veiht:
Num mundo sem absolutos, não existe base para se dizer que os seres humanos sejam melhores do que qualquer outra espécie. (Op. Cit. P. 68).
Os marxistas (eles se denominam pós-marxistas) aproveitam a ênfase dos pós-modernos à comunidade e ao coletivo para implantar suas ideias. Uma vez que não há um sujeito autônomo conforme diziam os modernistas, o homem agora é moldado pela coletividade. O homem agora não é mais o sujeito de sua vida, mas vítima do ambiente social onde vive. A miséria e a pobreza são culpa do Capitalismo. Uma vez que é a sociedade que formata o sujeito, cabe agora criar estratégias que modelem a sociedade para que um novo homem seja formado.
Críticas ao pó-modernismo
O pós-modernismo é perigoso para o Cristianismo. Se não há verdades absolutas, então por que adotar o Cristianismo e não o Budismo ou Islamismo? Se a tese dos pós-modernistas estiver correta, então tanto faz ser cristão ou judeu, já que nenhuma declaração dessas religiões corresponde a uma realidade. Isso é uma destruição do Cristianismo. O Cristianismo, ao longo da história, sempre combateu religiões falsas. Dizer que nenhuma religião é verdadeira é minar a singularidade de Cristo, uma vez que ele é colocado lado a lado com outros líderes religiosos, como Maomé, Moisés, etc.
Outro problema que afeta o cristianismo é a evangelização. Os cristãos sempre seguiram o mandamento de Jesus de irem a todo mundo e pregarem o evangelho a toda criatura (Mt 28.19). Como pregar o evangelho para pessoas infectadas com a mentalidade pós-moderna? Gene Edward Veith disse mais ou menos estas palavras:
É difícil evangelizar um sujeito que relativiza o pecado.
Se o pós-modernismo estiver certo, então não há necessidade de chamar as pessoas para se arrependerem de seus pecados. E mais: o multiculturalismo, o pluralismo religioso e o perspectivismo são as alternativas para a nossa sociedade, caso o pós-modernismo tenha razão. Sendo assim, seria uma ofensa para um cristão pedir que um adepto do judaísmo se convertesse ao cristianismo. Os cristãos sempre saíram mundo afora, desde o primeiro século, pregando Cristo entre as religiões pagãs e alegando que a salvação se dava somente através de Cristo. Por essa razão que os pós-modernistas chamam os cristãos conservadores de imperialistas que querem impor sua cultura religiosa sobre outras culturas.
Negação da verdade universal.
Os pós-modernos se sentem felizes ao negarem a existência da verdade universal. Porém, eles não percebem que ao fazerem isso estão, na verdade, dando um tiro no próprio pé. A própria alegação de que “não existe verdade absoluta” já é, em si mesma uma declaração absolutamente verdadeira da realidade. Logo, é uma contradição fazer tal afirmação. Se tudo for relativo à cultura, então o próprio pós-modernismo é relativo à cultura de onde nasceu; então, ninguém está na obrigação de concordar com o postulado relativista pós-moderno.
Não existe uma realidade fora da nossa linguagem?
Segundo os pós-modernistas, não há uma realidade lá fora que nossa mente possa acessar. Pois todo acesso ao mundo é mediado pela linguagem. Se isso for verdade, então caímos num completo ceticismo, e não podemos fazer nenhuma declaração sobre o mundo lá fora. A ironia de tal pensamento é que quando um pós-modernista lê uma bula de remédio ele acredita que as palavras da bula correspondem a uma realidade (o remédio) que existe fora das palavras da bula. Ele não duvida do que a bula diz. De fato, a própria declaração de que não existe uma realidade fora da nossa linguagem já é uma declaração acerca da realidade. Logo, é incoerente.
Negação das metanarrativas
O próprio pós-modernismo é uma metanarrativa. Pois faz declarações universais e atemporais acerca do mundo. Eles acreditam que no passado tudo era mediado pela linguagem, que no presente o mesmo acontece e no futuro será a mesma coisa. Ora, isso é uma metanarrativa radical, pois faz afirmações que se aplicam a todas as eras. Só há duas saídas para o pós-moderno: se o pós-modernismo for verdadeiro, então ele é falso, pois faz uma declaração universal e transcendente; se for falso, então não é verdade que não existem metanarrativas.
Os pós-modernos são incoerentes quando alegam que não há verdade que transcenda às comunidades específicas
Ao alegarem isso, ou seja, que não há uma verdade absoluta e universal que transcenda às comunidades específicas, estão fazendo uma afirmação absoluta e universal de que nenhuma comunidade local detém a verdade absoluta. Eles são pegos naquilo que rejeitam, pois negam uma verdade absoluta e universal enquanto fazem uma declaração absoluta e universal sobre todas as comunidades. Enfim, meu objetivo era apresentar da forma mais sucinta possível o pós-modernismo e suas implicações perigosas para o nosso mundo atual. O pós-modernismo gera um caos na sociedade e é um perigo para o cristianismo.
Referências:
O triângulo do reino. J.P. MORELAND. São Paulo. Editora Vida.
Tempos pós modernos. Gene Edward Veith. São Paulo. Ed. Cultura cristã.
Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. Stanley Grenz. São Paulo. Ed. Vida Nova.
Imagem fonte: Storyf CIU211